sábado, 10 de setembro de 2011

Resenha Crítica do Filme “O Mercador de Veneza” baseado na obra de William Shakespeare


A história central realiza-se na cidade de Veneza na Itália, em meados do século XVI dentro de um contexto histórico, onde as atividades econômicas e comerciais passavam por uma significativa ascensão. O que observamos logo no início sob o aspecto social, é uma imposição forte de leis e princípios aos estrangeiros, uma intensa discriminação do povo judeu pelos cristãos, judeus esses que habitavam na periferia, eram distinguidos por usarem um bojo vermelho na cabeça, o que propiciava e facilitava sua identificação nas ações discriminatórias. O filme nos traz uma ambigüidade sobre a essência do ser humano onde se confrontam intolerância, usura e vingança a amizade, paixão e justiça.
Sob a óptica jurídica o que observamos é um contrato feito entre Shylock (judeu que emprestava dinheiro a juros, “agiota”) e que por sua vez tinha sido alvo de humilhações em face de discriminação por Antonio (mercador, cristão que beirava a falência pois todas suas garantias, “frota de barcos” estavam em alto mar, alvo de piratas e tempestades). O contrato estabelecido por ambos consistia em que Shylock emprestaria a Antonio a quantia de três mil ducados a serem pagos no prazo determinado, tendo como cláusula especifica, caso Antonio não cumprisse com a obrigação teria como multa uma libra de sua própria carne tirada pelo próprio judeu o mais perto possível de seu peito, sendo que este empréstimo feito por Antonio era para seu amigo Bassânio que pretendia viajar para conquistar a jovem Pórcia. O contrato é selado entre Shylock e Antonio sob os aspectos descritos, mas a garantia que Antonio tinha era sua frota de barco, que por sua vez não retornara, exaurindo-se o prazo o judeu Shylock busca a justiça para execução do contrato.
Dentro de tal proposição começamos a analisar as especificidades do contrato estabelecido. Segundo Caio Mario temos como definição de contrato “o acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos”, sendo assim o que percebemos é uma liberdade no estabelecimento do contrato, assim como nos foi mostrado na cena do filme onde António e Shylock concordam com as condições contratuais. Logo o contratado estabelecido por ambos foi considerado válido tendo como princípios fundamentais a liberdade contratual e a obrigatoriedade do cumprimento do contrato, sendo assim, em tese a lei estava do lado do judeu. Chegado o julgamento o judeu está com sede de vingança e quer a todo modo a execução do contrato, vários membros da corte pedem por piedade, Bassânio oferece-lhe o triplo do valor acordado, mas o judeu mantém-se inflexível.
O ápice do julgamento se da com a intervenção de Pórcia (já como esposa de Bassânio e inteirada de toda a situação) na personagem de um jovem advogado Baltazar. Já entendido a licitude do contrato sentencia-se a execução (retirada de uma libra da carne de Antonio pelo judeu), tendo como embasamento o  contrato legalmente celebrado é uma emanação da vontade e que se não fosse cumprido traria uma insegurança jurídica para toda Veneza, segundos antes Baltazar expõe a principal argumentação “Um momentinho apenas. Há mais alguma coisa. Pela letra, a sangue jus não tem; nem uma gota. São palavras expressas: “uma libra de carne”. Tira, pois, com o combinado: tua libra de carne. Mas se derramares, no instante de a cortares, uma gota que seja, só, de sangue cristão, teus bens e tuas terras todas, pelas leis de Veneza, para o Estado passarão por direito”.    A interpretação gramatical feita por Baltazar foi decisiva para resolução do litígio, onde por sua vez o judeu aceita o acordo proposto pelos julgadores.
            Trazendo o fato ao nosso ordenamento jurídico observaremos que o contrato geral feito por Shylock e Antonio seria relevante, mas a clausula que determinava a garantia do mesmo, seria considerada nula devido á falta de boa fé por parte de Shylock (ele induz Antônio a assinar o contrato sob o argumento de que a cláusula [pena com a libra de carne] seria de brincadeira) e por ferir o principio constitucional da dignidade humana. Logo a garantia do contrato teria que ser seus bens materiais.
            Outra pontuação que podemos fazer é que até que ponto os indivíduos tem “liberdade” de contratar nas relações privadas, Pontes de Miranda nos expõe que no “direito como processo social de adaptação, a legislação veda alguns atos humanos (atos ilícitos, absolutos e relativos)”, logo o que observamos é que a liberdade de contratar existe desde que, se obedeça aos limites da “ordem pública”  e dos interesses da coletividade que sobrepõe-se os interesses individuais.
            Sendo assim em face de conclusão o filme nos traz um “mix” de amor, dinheiro e vingança levados a decisão de um magistrado, onde se observa uma intensa discórdia religiosa e até mesmo um sistema judiciário deficiente (onde Pórcia consegue enganar e convencer a todos). Expressamos um apoio a decisão final pois, decidiu-se a favor da pessoa humana defendo sua dignidade e integridade física e psíquica que por sua vez tem maior relevância comparada com o dinheiro.
Para finalizar uma comparação que podemos fazer com a obra de William Shakespeare “O Mercador de Veneza” e sua decisão muito se assemelha ao filme brasileiro “O Auto da Compadecida” baseado na obra de Ariano Suassuna, onde a execução da divida (a carne) é impedida pelo fato de que era só a carne e não o sangue conseqüente do corte.

Ana Cristina da C. Santos


África: outros olhares, novas visões

TÍTULO: Análise Multidisciplinar sob a perspectiva étnica nas conexões África – Brasil
TEMA: A evolução histórico-social do preconceito, tendo a visão contemporânea como inicial na construção de um novo olhar, objetivando a ruptura de barreiras.

Direito – Cultura sobre a óptica como influenciadora na construção do preconceito
 A palavra cultura nos abre um leque imenso de analises e observações importantes para sua definição. A cultura de forma sintética pode ser entendia como uma ampla área do conhecimento que se preocupa com as experiências dos indivíduos em sociedade, suas observações de visões de mundo, costumes e hábitos desenvolvidos ao longo de todo o processo histórico e social.
Partindo dessa definição aprofundamos no sentido de buscarmos as influencias da cultura Africana/Brasileira na construção do preconceito contemporâneo. A cultura histórico-social desenvolvida ao longo de séculos nos leva a observar que a mesma tem influencia direta no desenvolvimento de uma espécie de classificação étnica nas sociedades em que houve uma intensa atividade escravista. Toda essa cultura de discriminação induziu no contexto das relações de poder e dominação que conseqüentemente levou-se a hierarquizar os indivíduos utilização de princípios biológicos extremamente equivocados.
No Brasil o que observamos é o desenvolvimento de uma cultura inicial de rompimento com a cultura do preconceito que assolou nosso país tendo como base teses descabidas impregnadas de preconceitos e ideologias. Hoje temos um preconceito mais sutil com notas distintivas bem pontuais como: sutil, velado e ambíguo. E essas características baseiam-se em uma cultura histórica desenvolvida nas conexões entre a África e o Brasil, onde sem duvidas teve contribuição direta no desenvolvimento desse fenômeno chamado racismo. As relações de estratificação social onde o escravo (negro e africano) era tido como objeto nas transações comerciais acabou por construir uma sociedade desigual onde mesmo não sendo escravo pelo fato de ser negro há atribui-se a esse individuo todas as características (negativas) da época da escravidão. A professora-doutora da USP Nilma Gomes em seu artigo “Cultura Negra e Educação” nos aponta que “formos educado pelo meio sociocultural a enxergar certas diferenças, as quais fazem parte de um sistema de representações construído socialmente por meio de tensos, conflitos, acordos e negociações sociais”.
Observamos com isso cada vez mais a influencia da cultura das sociedades na construção e desenvolvimento de idéias que nos apresentado de duas formas com escopos contrários. De um lado temos a cultura com a influência historico-social (forma negativa) em contraponto temos a cultura contemporânea que busca cada vez mais a ruptura dessas idéias pregadas pelos costumes anteriores e que demandam tempo para que a descaracterização do preconceito seja feita e novas idéias possam proliferar os pensamentos dos indivíduos.
Segundo Denys Cuche em “A noção de cultura nas ciências sociais” temos:
São as nossas escolhas, a forma como cada grupo cultural inventa soluções originais para os problemas que lhes são colocados pela vida em sociedade e ao longo do processo histórico. Essas escolhas não são simplesmente mecânicas e empíricas. Elas não estão relacionadas somente à adaptação ao meio, mas às disputas de poder entre grupos e povos. Nessas disputas as diferenças são inventadas, e através delas nos aproximamos de uns e tornamos outros inimigos, adversários, inferiores ou “violentos”. Nesse sentido, podemos compreender que as diferenças, mesmo aquelas que nos apresentam como as mais físicas, biológicas e visíveis a olho nu, são construídas, inventadas pela cultura. A natureza é interpretada pela cultura. Ao pensarmos dessa forma, entramos nos domínios do simbólico. É nesse campo que foram construídas as diferenças étnico/raciais. Romper com essa cultura de discriminação disseminada por séculos é um dos principais desafios da sociedade contemporâneo. O primeiro ponto a ser discutido sob a perspectiva desse novo cenário é aceitarmos que não vivemos em uma democracia racial, entendermos que o preconceito existe e é manifestado das mais variadas formas possíveis.

Ana Cristina da C. Santos